sexta-feira, agosto 13, 2010

OCUPAÇÃO ISRAELENSE E REFLEXÕES TEOLÓGICAS - Naim Ateek

Autor da Foto: José Cláudio Turolla

OCUPAÇÃO ISRAELENSE E REFLEXÕES TEOLÓGICAS

Naim Ateek

Contexto político e religioso

O conflito na Palestina pode ser descrito como uma tragédia grega composta de dois Atos. O Primeiro Ato aconteceu em 1948 quando cerca de três quartos da terra foram perdidos e cerca de 750,000 palestinos (muçulmanos e cristãos) foram etnicamente eliminados. Na realidade, 60% da comunidade cristã foi deslocada. Eles foram dispersos pelo Oriente Médio e por diferentes partes do mundo. O Segundo Ato aconteceu em 1967 quando o resto da Palestina foi ocupada pelo exército israelense e centenas de milhares de palestinos foram deslocados (muçulmanos e cristãos). Quando o Segundo Ato terminou, a catástrofe na Palestina tinha se tornado completa.

Neste artigo, eu vou focar brevemente no efeito da ocupação israelense sobre a comunidade cristã e a resposta dos cristãos palestinos.

A perda da Palestina e a dispersão da comunidade cristã palestina através do mundo criaram uma tragédia física e espiritual. Na verdade, o impacto espiritual tem sido menos traumático que a erradicação física. Para muçulmanos e cristãos, a perda da Palestina em 1948 foi o resultado da interação entre os poderes ocidentais na política mundial, entre os aliados vitoriosos da Segunda Guerra Mundial. Embora, na época, o Sionismo já existisse por cerca de 50 anos e o Governo Britânico já estivesse condicionado e influenciado pela ideologia do Sionismo, foi o impacto do holocausto que facilitou e acelerou a criação do Estado “judaico”.

Dilema e contexto religiosos

Da perspectiva da maioria dos palestinos, que eram totalmente inconscientes do que pensavam os cristãos ocidentais, a perda da Palestina parecia um ato injusto e imoral que foi inspirado e guiado por um espírito colonial e interesses políticos ocidentais. Ao mesmo tempo, a perspectiva de alguns cristãos fundamentalistas ocidentais em relação ao que aconteceu era crer que foi um ato divino e guiado por Deus. Para estes cristãos, a criação de Israel era o cumprimento da profecia bíblica. Deus estava ativo através de seus líderes políticos para realizar seus propósitos para o povo judeu a fim de preparar a Segunda Vinda de Cristo e o Fim do mundo. Dito sarcasticamente, tal evento transcendental era mais importante para Deus que se preocupar com os direitos e interesses de 1,3 milhão de palestinos que eram o povo nativo do lugar.

Devo enfatizar que a maioria dos palestinos não tem a menor ideia sobre a importância religiosa do retorno dos judeus. Alguns devem ter um consciência rudimentar do sofrimento de judeus europeus sob os nazistas mas tal conhecimento não tem nenhuma relevância para sua vida cotidiana. A lógica simples declarada pelo palestino médio é de que o colonialismo britânico foi sendo substituído por uma forma de colonialismo judaico. Do ângulo de qualquer um, não havia nada novo em tudo isto. Afinal, a Palestina tinha sido ocupada e governada por poderes externos por milhares de anos. Não estava diretamente relacionado à religião. Tinha que ver simplesmente com política, poder militar e interesse político.

Quanto aos cristãos palestinos, com sua fé honesta e simples, continuavam a confiar em Deus e orar por sua misericórdia e proteção. Eles oravam por justiça que os permitiria retornar para suas casas e negócios. Basicamente, esperavam em Deus com esperança. Outros, especialmente os jovens, queriam fazer alguma coisa a respeito. Eles se juntaram a grupos de resistência que estavam ansiosos para reverter a injustiça e salvar a Palestina daqueles que a capturaram.

Para aqueles cristãos que conheciam bem sua Bíblia, era o tempo mais confuso que já existira. Eles estavam chocados com o que tinha acontecido. Questões religiosas e teológicas proliferaram. Eram as velhas questões recorrentes que tinham sido repetidas milhões de vezes pelos povos oprimidos através dos séculos. A nova situação na Palestina, agora em grande parte Israel, levantou questões e demandou respostas. De fato, demandou uma nova teologia porque a velha teologia não funcionava mais para os cristãos palestinos. À luz do estabelecimento do novo estado, a palavra “Israel” mesma precisava de uma nova definição. O novo Israel é uma extensão do Israel bíblico? O novo estado é realmente o cumprimento da profecia bíblica? A Bíblia tem alguma coisa a dizer sobre o que está acontecendo? Onde está Deus nisso tudo? Deus condena o que aconteceu? Como se pode reconciliar o que está acontecendo com a justiça e a bondade de Deus? Muitas questões eram feitas mas as respostas eram poucas e insatisfatórias.

Depois da ocupação do resto da Palestina em 1967, algumas destas perguntas teológicas se agravaram. Como o exército israelense tomava medidas duras com punho de ferro e a ocupação se tornava mais consolidada, o confisco da terra palestina se espalhou, os assentamentos ilegais se multiplicaram, os assentados se tornaram difíceis de controlar e violentos, a opressão dos palestinos perceptivelmente clara, a situação desesperadora e impotente e a comunidade internacional, incluindo os Estados Unidos, foi incapaz de pressionar o governo israelense a respeitar e implementar a lei internacional. Novamente, as perguntas eram abundantes.

Como Deus vê a opressão dos palestinos? Dado que a religião tem sido sequestrada pelos extremistas, o que se pode fazer? Estamos testemunhando não apenas a corrupção da fé, mas talvez o fim da fé como a conhecemos? E o Sionismo cristão, que parece estar totalmente cego para o que o governo de Israel e sua população assentada estão fazendo? Estariam também se tornando totalmente absorvidos por uma ética de guerra vetero-testamentária que tem perdido o espírito, amor e a paz que Jesus defendeu?

A voz da igreja durante a maior parte desse período foi fraca. Na verdade, houve vozes individuais contra a injustiça e a opressão mas a voz coletiva foi fraca. Percebe-se que a maioria das igrejas da Palestina parecia estar satisfeita com as celebrações de suas liturgias e cultos de domingo. Entretanto, os sermões que eram pregados, na maior parte do tempo não tinham nenhuma relevância para o cotidiano das pessoas. Os estudos bíblicos que eram dados, geralmente, enfatizaram a fé espiritual privada mas raramente havia qualquer discussão sobre questões de justiça e paz. Não havia qualquer palavra sobre o que significa ser um pacificador hoje; ou o que a igreja poderia fazer para resistir à violência da ocupação e assumir uma posição mais firme contra a injustiça. Na verdade, os rituais e cerimônias da igreja continuaram como sempre, mas a palavra profética está ausente? Negligenciamos “os preceitos mais importantes da lei” como Jesus criticou os líderes religiosos dos seus dias, “a justiça, a misericórdia e a fidelidade”?

Os anos têm passado rapidamente, a ocupação está mais entrincheirada e a igreja está escondida atrás de sua liturgia e permanece letargicamente silenciosa. A análise acima tem descrito a situação da igreja para a maior parte dos anos recentes. É importante, entretanto, afirmar que desde a primeira Intifada, três importantes desenvolvimentos têm acontecido dentro da comunidade cristã da Palestina.

PRIMEIRO: O surgimento da teologia da libertação palestina. O fenômeno tomou diferentes formas. O clero palestino de Israel e Cisjordânia — ortodoxo, católico e protestante — começou a articular teologias contextuais que tratava da situação religiosa, social e política no país a partir de sua fé. Estes teólogos enfatizavam a justiça de Deus assim como o amor inclusivo de Deus por todos os povos. Eles condenavam tanto a violência da ocupação como a violência dos grupos palestinos extremistas. Ao mesmo tempo, eles enfatizavam a importância da não-violência na resistência à ocupação ilegal.

Através de livros e publicações, estes teólogos têm sido capazes de influenciar o pensamento e a teologia de muitas pessoas no mundo em relação ao dilema dos palestinos. Além disso, através da exegese de textos bíblicos tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, eles têm sido capazes de criticar a ideologia exclusivista e a teologia do governo de Israel e de sua população religiosa assentada assim como do Sionismo cristão.

Estes teólogos continuam a sustentar uma visão de paz e reconciliação baseada na fé num Deus que ama todos os povos igualmente e que deseja que todos os povos da terra vivam juntos em paz e harmonia.

SEGUNDO: Havia uma voz pela paz e a justiça que foi ouvida intermitentemente no país que vinha de alguns bispos. Não era, entretanto, uma voz conjunta de todos os patriarcas e bispos. Nem os cristãos nem o governo israelense ouviram uma voz clara, alta e conjunta sobre a opressão dos palestinos e a necessidade de pará-la. Por várias razões, certas ou erradas, os líderes eclesiais falharam em protestar unanimemente contra a injustiça e a opressão dos palestinos. Quando eles falaram, não foram nunca sinceros e diretos.

TERCEIRO: Recentemente, outra voz da comunidade cristã da Palestina está sendo ouvida. É a voz do documento Kairós Palestina. No meio da situação de opressão, a comunidade cristã foi capaz de produzir um documento valentemente chamado “A Hora da Verdade”. É um documento que se dirige principalmente para a comunidade cristã da Palestina. Também se dirige aos cristãos e igrejas no exterior. Ao mesmo tempo, se dirige às pessoas de outras tradições religiosas assim como à situação política no país e mais especificamente ao governo israelense. O documento considera a ocupação um pecado e convoca a resistir através do uso de métodos não-violentos.

Uma das coisas mais significativas deste documento é sua natureza ecumênica já que aqueles que trabalharam nele pertencem às várias igrejas da Palestina. Assim, é uma voz cristã palestina que busca falar a verdade ao poder e testemunhar da possibilidade da paz com justiça.

Conclusão

Olhando para os últimos 62 anos desde a criação do Estado de Israel, pode-se dizer que a comunidade cristã foi vagarosa em tratar das questões pertinentes que se levantaram das consequências da perda da Palestina. Mas muitos de nós somos gratos a Deus que, a despeito do começo lento, a fé e a resiliência dos cristãos os têm movido a levantar sua voz e dar um importante testemunho ao mundo inteiro. Através desse documento, eles levantam a bandeira da paz e da reconciliação e, de boa vontade, aceitam o chamado de Cristo para serem pacificadores e se comprometerem a testemunhar do amor e da justiça de Deus.

Naim Ateek é pastor anglicano e cidadão árabe de Israel. É o presidente e diretor de Sabeel, um centro teológico ecumênico em Jerusalém. É doutor em Teologia pelo Seminário Teológico de São Francisco e autor de Justice and Only Justice: a Palestinian Theology of Liberation (Orbis, 1989) e A Palestinian Christian Cry for Reconciliation (Orbis, 2008).

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