sexta-feira, outubro 19, 2007

ORAÇÃO, UMA EXPERIÊNCIA

ORAÇÃO, UMA EXPERIÊNCIA

"Então Jesus contou aos seus discípulos uma parábola, para mostrar-lhes que eles deviam orar sempre e nunca desanimar." Lucas 18.1


Desde pequeno, manifesto interesse pelas questões espirituais. Minha avó paterna me ensinou a rezar o Pai Nosso e a Ave-Maria e sempre enfatizava a importância de orar diariamente.

Antes de dormir, eu me ajoelhava, rezava e fazia os meus pedidos. Devido ao cansaço, freqüentemente eu adormecia e, como considerava pecado interromper as orações, começava tudo de novo, até conseguir completá-las.

Posteriormente, tornei-me membro de uma Igreja Batista. Os estudos bíblicos me revelaram a dimensão pessoal da oração. Descobri que eu poderia conversar com Deus, tal como um filho se aconselhando com o seu pai, e desabafar as minhas angústias, considerando-o como um grande amigo.

Nesta caminhada, houve períodos em que a dúvida se instalou no meu coração. Eu perguntava: Deus existe? Quem escuta as minhas preces? Continuei orando, mesmo abatido pela incerteza, apenas por sentir que era a decisão correta.

As dificuldades foram um terreno fértil para o exercício da oração. Quando todas as alternativas se esgotavam, a fé era forçada a suplicar a intervenção divina para me socorrer. Muitas foram as respostas, algumas não vieram da forma que eu desejava, mas trouxeram as soluções necessárias e a certeza de que as orações não se perdem no ar, mas são recebidas por Deus.

O tempo sempre foi o meu grande adversário na vida devocional. Dormir tarde depois de chegar da faculdade, acordar cedo e ir para o trabalho, finais de semana cheios de atividades da igreja. Como separar um tempo para ficar só, calar a alma, contemplar a Deus e ouvir a sua voz? Minhas maiores referências espirituais afirmavam orar por até três ou quatro horas seguidas. Meu recorde é quarenta minutos! Procuro colocar em prática o conceito de orar sem cessar (1 Tessalonicesnses 5:17). Enquanto caminho, durante um engarrafamento, no intervalo entre o atendimento de um cliente e outro, peço a Deus por minha vida, agradeço as bênçãos, intercedo pelos amigos, família e igreja. Em outras ocasiões vou para um parque, faço uma trilha e ali, no meio da natureza, realizo o meu retiro pessoal de oração. São as minhas maneiras de manter ativo o meu contato com o Pai.
Na infância e na adolescência achava que, quando me tornasse adulto, resolveria as minhas crises espirituais. Eu estava enganado: elas se aprofundaram. A cada dia eu busco resgatar a fé simples da criança que descansa enquanto o seu pai ou a sua mãe a abrigam no colo. Mesmo com as dificuldades ao redor, ela está em paz. "De fato, acalmei e tranqüilizei a minha alma. Sou como uma criança recém amamentada por sua mãe, a minha alma é como essa criança" (Salmo 131.2).

sexta-feira, outubro 05, 2007

Pequeno Texto sobre Francisco de Assis

Leonardo Boff


Quem diria que um homem que viveu há mais de 800 anos viesse a ser referência fundamental para todos aqueles que procuram um novo acordo com a natureza e que sonham com uma confraternização universal? Este é Francisco de Assis (+1226), proclamado patrono da ecologia. Nele encontramos valores que perdemos como o encantamento face ao esplendor da natureza, a reverência diante de cada ser, a cortesia para com cada pessoa e o sentimento de irmandade com cada ser da criação, com o sol e a lua, com o lobo feroz e o hanseniano que ele abraça enternecido.

Francisco realizou uma síntese feliz entre a ecologia exterior (meio ambiente) e a ecologia interior (pacificação interior) a ponto de se transformar no arquétipo de um humanismo terno e fraterno, capaz de acolher todas as diferenças. Como asseverou Hermann Hesse:"Francisco casou em seu coração o céu com a terra e inflamou com a brasa da vida eterna nosso mundo terreno e mortal". A humanidade pode se orgulhar de ter produzido semelhante figura histórica e universal. Ele é o novo, nós somos o velho.

O fascínio que exerceu desde seu tempo até os dias de hoje se deve ao resgate que fez dos direitos do coração, à centralidade que conferiu ao sentimento e à ternura que introduziu nas relações humanas e cósmicas. Não sem razão, em seus escritos a palavra "coração" ocorre 42 vezes sobre uma de "inteligência”, "amor" 23 vezes sobre 12 de "verdade", "misericórdia" 26 vezes sobre uma de "intelecto". Era o "irmão-sempre- alegre" como o alcunhavam seus confrades. Por esta razão, deixa para trás o cristianismo severo dos penitentes do deserto, o cristianismo litúrgico monacal, o cristianismo hierático e formal dos palácios pontifícios e das cúrias clericais, o cristianismo sofisticado da cultura livresca da teologia escolástica. Nele emerge um cristianismo de jovialidade e canto, de paixão e dança, de coração e poesia. Ele preservou a inocência como claridade infantil na idade adulta que devolve frescor, pureza e encantamento à penosa existência nesta terra. Nele as pessoas não comparecem como "filhos e filhas da necessidade, mas como filhos e filhas da alegria" (G. Bachelard). Aqui se encontra a relevância inegável do modo de ser do Poverello de Assis para o espírito ecológico de nosso tempo, carente de encantamento e de magia.

Estando certa vez, no dia 4 de outubro, festa do Santo, em Assis, naquela minúscula cidade branca ao pé do monte Subásio, celebrei o amor franciscano com o seguinte soneto que me atrevo a publicar:


Abraçar cada ser fazer-se irmã e irmão,
Ouvir a cantiga do pássaro na rama,
Auscultar em tudo um coração
Que pulsa na pedra e até na lama,


Saber que tudo vale e nada é em vão
E que se pode amar mesmo quem não ama,
Encher-se de ternura e compaixão
Pelo bichinho que por ajuda clama,


Conversar até com o fero lobo
E conviver e beijar o leproso
E, para alegrar, fazer-se de joão-bobo,


Sentir-se da pobreza o esposo
E derramar afeto por todo o globo:
Eis o amor franciscano: oh supremo gozo!


Leonardo Boff é teólogo e ex-frade franciscano