sexta-feira, julho 03, 2009

DOE VIDA

DOE VIDA


FÁBIO AGUIAR LISBOA - Editor de OJB



Em 2008, os batistas acompanharam com atenção e apreensão a trajetória do pastor Oliveira de Araújo em busca de um transplante de pulmão que garantiria sua sobrevida. Na verdade, este foi apenas um dos inúmeros casos de irmãos que tiveram que passar por uma cirurgia desta natureza nos últimos anos para terem a oportunidade de dar prosseguimento a suas vidas.

Dados divulgados pelo Ministério da Saúde no início de 2009 indicam que entre janeiro e dezembro de 2008 foram realizados 19.125 transplantes - o que representa um crescimento de cerca de 10% em relação ao mesmo período de 2007 (17.428). No entanto, o número de pessoas na fila de espera por um novo órgão ainda é muito grande, 58.634 segundo o Governo.

O presidente da seção Rio de Janeiro da Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos (Adote), Rafael Paim, diz que ainda “é muito mais comum as pessoas morrerem na fila do que saírem transplantadas”.

Segundo ele, que trabalha na promoção de uma cultura de realização de transplantes, “há dois anos a fila de pessoas precisando de novos órgãos tem baixado, mas o número de transplantados não tem aumentado na mesma proporção, o que significa que as pessoas estão morrendo na fila”.


Percepções sobre o transplante


OJB conversou com três pessoas que passaram por transplantes de órgãos nos últimos anos. Eles compartilharam um pouco de suas experiências em uma caminhada que todos consideraram um recomeço.


A caminhada do pastor Oliveira Araújo em busca de um novo pulmão começou em 2002, época na qual começou a apresentar um quadro de cansaço físico excessivo. A partir de então, ele passou por inúmeros exames, que no fim levaram ao diagnóstico de fibrose pulmonar idiopática.

A partir deste momento iniciou um tratamento à base de medicamentos para manter esta doença sobre controle, mas o mesmo parou de surtir efeito em setembro de 2007, quando o transplante passou a ser considerado a única alternativa viável.


Em novembro do mesmo ano o pastor Oliveira já estava na fila do transplante, que foi finalmente realizado no dia 10 de junho de 2008.


Segundo o pastor da Primeira Igreja Batista de Vitória (ES), esta experiência representou o maior desafio de sua vida, o maior gigante que já enfrentou: “Foi um desafio muito grande, pois não esperava por isto, não tinha nenhuma informação sobre isto, nenhuma experiência e, de repente, me vejo na iminência de fazer um transplante de pulmão, como de fato aconteceu”.

Para Oliveira o fato de ser pastor, um servo de Deus, não tornou a situação mais simples: “É um mundo totalmente novo, pois quando é uma cirurgia comum você marca dia, marca hora e sabe o que vai acontecer em princípio. No caso do transplante não, você fica esperando uma ligação para lhe chamar para ir ao hospital porque depende da doação”.


Felizmente, o transplante foi um sucesso e o pastor da PIB de Vitória agora pode compartilhar o que considera um verdadeiro milagre em sua vida.


Outro pastor que passou pela experiência do transplante foi Miquéas da Paz Barreto. O primeiro sintoma foi um prurido (coceira) de difícil solução, o que levou à realização de um exame chamado tempo de protrombina, que constatou que algo não estava bem com ele.

"Uma médica amiga me encaminhou então para um hepatologista. Daí passaram-se cerca de 2 meses de pesquisas laboratoriais. Por fim, veio a sugestão de uma biópsia do figado. O resultado foi surpreendente! Cirrose hepática moderada”, afirma.


Inicialmente se pensou que o transplante não seria necessário, o que levou o pastor Miquéas a retornar a suas atividades tomando alguns cuidados especiais.


Porém, após 2 anos ficou evidente que o tratamento adequado seria o transplante, o que o levou a buscar o auxílio de um especialista americano. “Ele indicou um médico amigo em Curitiba e aí começamos o processo de busca da cura definitiva, que era o transplante hepático”, atesta.

Quem também se viu diante da necessidade de enfrentar um transplante de rim foi a farmacêutica Sônia Maria Campanelle, membro da Igreja Batista Itacuruçá (RJ). Em 1999 ela descobriu ter uma doença renal policística que comprometia 70% da capacidade de funcionamento de seus rins.


“Ao confirmar o diagnóstico eu fiquei muito revoltada. Como sou da área da saúde iniciei um caminho de me preparar para aceitar o diagnóstico, considerando que eu tinha pavor da ideia de realizar hemodiálise”, afirma.


Sônia fica então sabendo que existia a possibilidade de um de seus quatro irmãos poderem doar um rim para ela. “Os 4 são submetidos então a um exame de histocompatibilidade, ao qual também sou submetida. O escolhido é meu irmão mais novo e o transplante é realizado em 2006. O transplante foi feito, não sem sofrimento, principalmente por ser uma cirurgia longa, mas hoje eu estou bem, estou curada pela graça de Deus”, diz.


Uma segunda vida


Para Sônia, a pessoa que passa por um transplante começa a ver a vida de forma diferente: “Para mim foi uma segunda vida. O tempo todo tive, e tenho ainda, a certeza de ser uma segunda vida. Os parâmetros de vida mudaram muito. Na minha experiência ainda houve um milagre maior, porque a vida do irmão que doou o rim e que estava afastado da igreja passa a ser modificada. Ele passa a ter uma outra percepção da vida. Então foi uma bênção para todos. Neste momento fica claro porque ele foi escolhido por Deus como doador, pois havia duas irmãs com maior compatibilidade e que não puderam, por motivos diferentes, doar”.


Rafael Paim também destaca o aspecto nobre que cerca o ato da doação de um órgão e os benefícios que esta prática traz para a sociedade: “A doação não é apenas pegar um órgão no corpo do outro. Na verdade, a doação é um dos gestos mais nobres de um ser humano. É doar vida para o outro, dar continuidade à vida. Um gesto que faz a sociedade crescer, pois ela fica mais madura. A doação evidencia uma preocupação com o outro. Este ato traz uma série de valores com ele que são muito bons para uma sociedade que deseja se desenvolver”.


Desinformação atrapalha doação


Entretanto, para que hajam mais doadores e doações alguns desafios ainda devem ser vencidos. Segundo o pastor Oliveira, ainda existe muito preconceito, temor e desinformação quando se fala em doação de órgãos.


“Penso que se as pessoas forem bem informadas, bem esclarecidas, nós podemos ter realmente mais pessoas doando, participando deste processo que hoje é um grande desafio no Brasil”, declarou.


O pastor Miquéas tem uma opinião muito semelhante da de seu companheiro de ministério e afirma: “No Brasil ainda é muito pequena a percepção da necessidade de se doar órgãos. Problemas de ordem cultural, preconceitos religiosos, fobias sociais variadas, falta de fé neste tratamento científico, entre outras coisas, levam muitos a não desejarem participar do ato de doar órgãos a pessoas ainda com alguma chance de viver”.


Porém, o presidente da seção Rio de Janeiro da Adote tem dados que indicam que esta tendência está mudando. Segundo ele, o povo brasileiro está cada vez mais aberto à doação, como indica uma pesquisa realizada há pouco tempo com 2122 pessoas de todo o país pelo Instituto Datafolha que indicou que 64% dos entrevistados eram doadores.


Segundo Rafael Paim, a mensagem atual já não é mais seja doador, mas sim faça a doação acontecer. “Migramos de uma geração na qual o desafio era ter doadores e passamos para um momento no qual o desafio é ter a efetivação da doação”, afirma.


Outra dificuldade está na incapacidade de o Governo atender à demanda de transplantes hoje existente: “Ele tem tentado, mas é mal preparado, pois desconhece as técnicas, não tem orçamento adequado. O problema não é só investir, mas o Governo não compreende o problema. É mais barato fazer o transplante do que manter a fila. A fila de rim, por exemplo, é caríssima. É cara emocionalmente, é cara psicologicamente, é cara em termos de recursos, pois tem que ser paga a hemodiálise para quem está na fila. É muito mais barato você transplantar e fazer o acompanhamento com medicação. Porém, o Governo não consegue perceber isto e montar uma estrutura para zerar a fila”, afirma Paim.


Ele aponta a Espanha como um exemplo a ser seguido. “Lá tem uma fila que dura uma ou duas semanas de espera. Na verdade, é uma espera zero, pois estas duas semanas são o tempo para os exames. No entanto, o órgão está lá. Além disso, neste país há um programa de qualidade do processo de doação, que tem estatística e aprendizado, o que faz a coisa funcionar muito bem”.


A contribuição da Igreja


Em um ponto, porém, todos concordam: a Igreja pode ter um papel fundamental na questão da doação de órgãos.


Para o presidente da seção Rio de Janeiro da Adote, a Igreja pode se envolver nesta questão de uma forma simples: “Falando sobre o tema nos seus encontros. Colocando a questão nas músicas, nos livros. A Igreja tem um poder de multiplicação imenso. Quando ela leva esta questão para o púlpito, as pessoas levam esta questão para a família. Na hora em que esta questão é levada para a Igreja, a mesma é levada para a escola. Na hora em que o médico batista ouve esta questão na igreja ele pensa no que o seu hospital pode fazer. Olhe o potencial de multiplicação”.


Por outro lado, Sônia pensa que os batistas podem se envolver iniciando uma grande discussão e, quem sabe, propondo a criação de uma associação de pessoas transplantadas, uma forma de se ligar a este grupo.


Além disso, ela pensa que seria válida uma ação voltada para aquelas pessoas que ainda não passaram pelo transplante (no caso de rim) e que têm que realizar hemodiálise: “Eu acredito que poderíamos fazer um trabalho solidário, pois há um grande sofrimento desde que há o diagnóstico, principalmente quando se tratam de crianças muito jovens, de 2 ou 3 anos. Penso que o ideal seria ter uma casa de apoio para as pessoas que vem e vão para as consultas. Uma casa na qual a pessoa que mora distante do local no qual faz o tratamento possa fazer um lanche e possa passar a noite caso perca o seu ônibus. Esta seria uma forma de evangelizar junto com um trabalho de solidariedade muito grande. Seria um trabalho muito bonito”.


Segundo o pastor Oliveira, o povo batista é por natureza muito solidário. Ele pensa que para se alcançar um maior envolvimento dos batistas nesta questão é necessário olhar com carinho a necessidade das pessoas que aguardam a doação de um órgão em uma fila. “Muitas pessoas morrem na fila sem muita perspectiva de vida. Caso não chegue ao transplante, há um momento no qual o órgão vai a falência. Então é preciso que, da parte do povo de Deus, haja uma conscientização e disposição de doar órgãos. Contando com o apoio de nossas organizações denominacionais e dos pastores, que têm uma influência muito grande na formação da opinião dos membros de igreja, creio que uma campanha neste sentido vai trazer muito beneficio para milhares de pessoas”.



Escrito por: Fábio Aguiar Lisboa EM 10-Jun-2009

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