Bianca Assis
Existem coisas que só são percebidas na ausência de outras. E existe um momento na vida, por mais que não saibamos o dia da nossa morte, que notaremos que os dias percorridos são maiores dos que os que ainda nos restam para percorrer.
No começo, a escuridão é mais profunda. Os olhos foram pegos de surpresa pelo breu. E o tatear das paredes é nosso melhor guia... Entretanto, conforme a vista se acostuma, a luz refletida pela lua faz até sombra nas árvores.
Na varanda, lembranças dos tempos que passaram. Sempre que falta luz, é de nossas infâncias que conversamos... não sei direito o porquê. A nostalgia é quase instantânea. É bom ouvir histórias da infância dos mais velhos... Adoro imaginar meus pais e avós com mãos pequenas e pés sujos descalços. Seus medos e olhares infantis. Suas brincadeiras e travessuras antigas... cruas e beges, como tecido de algodão. E lá estávamos nós lamentando pelas joaninhas, borboletas e vaga-lumes que não mais “existiam” em nossas vidas...
Entre uma risada e outra, avistei uma luzinha por cima do ombro de minha mãe. Ignorei. Mais papo... e novamente, entre um suspiro e outro. A luzinha havia se movido, havia acendido rapidamente em outro lugar! Será que é o que eu estou pensando? Sim!
-Um Vaga-lume!
Éramos 3 pares silenciosos de olhos atentos. Um, dois, três vaga-lumes. Eles subiam e desciam... Um piscava lentamente: acendendo e sumindo com pausas longas. O outro, parecia pisca-pisca de Natal! Acendia e apagava tão rapidamente que traçava linhas luminosas no ar escuro. O outro voava baixo, e brincava de sair e entrar, como que saltando o muro da minha casa. Na rua, outros dois... Um pouco mais à frente, sob árvores, estavam inúmeros! “Deus do céu! Eles ainda existem mesmo!” E com presença de palco!
3 pares de olhos novamente infantis. Satisfeitos. Agradecidos.
Por onde eu tenho andado para que os deixasse escapar?
Me imaginei neste ponto da vida, no futuro, em que, com a saúde e a rigidez se esvaindo, o olhar para trás será mais comprido e vagaroso. Depois de ter vivido a vida inteira sonhando e planejando o futuro, e naquele dia, quando o planejar não fará mais muito sentido, será que haverá vaga-lumes na minha lembrança?
- Quantas chances terei perdido? [Se elas esperavam apenas minha decisão]
- Quanto bem terei deixado de fazer? [Se a necessidade alheia salta aos olhos]
- Quantos desencontros? [se os caminhos sempre existiram]
- Quanto tempo desperdiçado? [se a forma de gastá-lo foi minha opção]
- Quantas pessoas terei deixado de desfrutar da companhia próxima? [mesmo que tenham estado bem ao meu lado]
- Quantas palavras não terei dito? [Aos ouvidos que sempre estiveram ao meu alcance]
- Quanta Arte terei economizado? [se fui feita à semelhança de um Artista]
- Quantos amores não terei amado? [sempre que o coração tenha sido conquistado. Seja por ordem divina, seja por olhar de necessidade, compaixão, por um olhar carinhoso, ou por um dengo qualquer...]
22 dois anos de idade. Meus pais ali ao meu lado. E não foi do escuro que tive medo.
Pela primeira vez, e embora seja difícil admitir, tive medo da luz!
Digo que é difícil, pois a luz carrega no seu sangue semântico muitas metáforas, e todas elas para mim são positivas. Belíssimas.
Mas tendo em vista o contexto, a luz enquanto energia elétrica que “eu” produzi, ofuscou alguma coisa divina e natural, que sempre esteve ali...
No dia seguinte saí cedo de casa... melancólica e grata pelo aviso profético dos vaga-lumes... Pensava no longo trajeto do dia, quando uma pequena borboleta amarela, um móbile vivo, voando baixo, tocou suave com as asas, a parte externa dos dedos da minha mão esquerda.
Eu entendi.
Era Deus, delicado, me dizendo:
Há esperança!
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