sexta-feira, junho 19, 2009

OS VAGALUMES QUE EU NÃO VI

OS VAGALUMES QUE EU NÃO VI

Bianca Assis


Existem coisas que só são percebidas na ausência de outras. E existe um momento na vida, por mais que não saibamos o dia da nossa morte, que notaremos que os dias percorridos são maiores dos que os que ainda nos restam para percorrer.


Há alguns dias atrás, por uns dez minutos, a energia elétrica faltou. Hoje em dia isso é raro. Imediatamente eu e meus pais estávamos na varanda olhando a rua: quem sabe se a escuridão tem diâmetro curto ou longo? Fomos averiguar.


No começo, a escuridão é mais profunda. Os olhos foram pegos de surpresa pelo breu. E o tatear das paredes é nosso melhor guia... Entretanto, conforme a vista se acostuma, a luz refletida pela lua faz até sombra nas árvores.


Na varanda, lembranças dos tempos que passaram. Sempre que falta luz, é de nossas infâncias que conversamos... não sei direito o porquê. A nostalgia é quase instantânea. É bom ouvir histórias da infância dos mais velhos... Adoro imaginar meus pais e avós com mãos pequenas e pés sujos descalços. Seus medos e olhares infantis. Suas brincadeiras e travessuras antigas... cruas e beges, como tecido de algodão. E lá estávamos nós lamentando pelas joaninhas, borboletas e vaga-lumes que não mais “existiam” em nossas vidas...


Lembro das estrelas que via da fazenda de um conhecido de antigamente. Elas eram verdadeiros sóis brancos no manto negro do céu. Sempre estiveram lá, mas as luzes da cidade me distraem. Não posso notá-las sempre.


Entre uma risada e outra, avistei uma luzinha por cima do ombro de minha mãe. Ignorei. Mais papo... e novamente, entre um suspiro e outro. A luzinha havia se movido, havia acendido rapidamente em outro lugar! Será que é o que eu estou pensando? Sim!


-Um Vaga-lume!


Eu disse interrompendo o assunto. Admirada. Feliz. “Impossível!”


Éramos 3 pares silenciosos de olhos atentos. Um, dois, três vaga-lumes. Eles subiam e desciam... Um piscava lentamente: acendendo e sumindo com pausas longas. O outro, parecia pisca-pisca de Natal! Acendia e apagava tão rapidamente que traçava linhas luminosas no ar escuro. O outro voava baixo, e brincava de sair e entrar, como que saltando o muro da minha casa. Na rua, outros dois... Um pouco mais à frente, sob árvores, estavam inúmeros! “Deus do céu! Eles ainda existem mesmo!” E com presença de palco!


3 pares de olhos novamente infantis. Satisfeitos. Agradecidos.


Minha alegria melancolicamente se transformou em desespero. Uma tristeza começou a subir dos pés, e tive medo que vazasse. Tive que contê-la. [ela vazaria sim, mas em forma de palavras.]


Por onde eu tenho andado para que os deixasse escapar?


Me imaginei neste ponto da vida, no futuro, em que, com a saúde e a rigidez se esvaindo, o olhar para trás será mais comprido e vagaroso. Depois de ter vivido a vida inteira sonhando e planejando o futuro, e naquele dia, quando o planejar não fará mais muito sentido, será que haverá vaga-lumes na minha lembrança?


No fim da minha vida, terei deixado para trás detalhes que realmente importavam por mera desatenção?


  • Quantas chances terei perdido? [Se elas esperavam apenas minha decisão]

  • Quanto bem terei deixado de fazer? [Se a necessidade alheia salta aos olhos]

  • Quantos desencontros? [se os caminhos sempre existiram]

  • Quanto tempo desperdiçado? [se a forma de gastá-lo foi minha opção]

  • Quantas pessoas terei deixado de desfrutar da companhia próxima? [mesmo que tenham estado bem ao meu lado]

  • Quantas palavras não terei dito? [Aos ouvidos que sempre estiveram ao meu alcance]

  • Quanta Arte terei economizado? [se fui feita à semelhança de um Artista]

  • Quantos amores não terei amado? [sempre que o coração tenha sido conquistado. Seja por ordem divina, seja por olhar de necessidade, compaixão, por um olhar carinhoso, ou por um dengo qualquer...]

22 dois anos de idade. Meus pais ali ao meu lado. E não foi do escuro que tive medo.


Pela primeira vez, e embora seja difícil admitir, tive medo da luz!


Digo que é difícil, pois a luz carrega no seu sangue semântico muitas metáforas, e todas elas para mim são positivas. Belíssimas.


Mas tendo em vista o contexto, a luz enquanto energia elétrica que “eu” produzi, ofuscou alguma coisa divina e natural, que sempre esteve ali...


No dia seguinte saí cedo de casa... melancólica e grata pelo aviso profético dos vaga-lumes... Pensava no longo trajeto do dia, quando uma pequena borboleta amarela, um móbile vivo, voando baixo, tocou suave com as asas, a parte externa dos dedos da minha mão esquerda.


Eu entendi.


Era Deus, delicado, me dizendo:


Há esperança!


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