segunda-feira, agosto 14, 2006

A OPRESSÃO NEGA A VIDA

A OPRESSÃO NEGA A VIDA
Eclesiastes 4.1-3

“1 Examinei também todas as opressões que se cometem debaixo do sol. Aí está o choro dos oprimidos, e não há quem os console; ninguém os apoia contra a violência dos seus opressores.
2 Então proclamei os mortos, aqueles que já morreram, mais felizes do que os vivos, esses que ainda vivem.
3 Mais feliz que os dois é quem não nasceu ainda, pois não vê todo o mal que se pratica debaixo do sol.”

INTRODUÇÃO

Imagine um lugar onde haja bastante injustiça. Os ricos ficam cada vez mais ricos à custa da corrupção e da exploração de seus empregados. Os pobres vivem amontoados em seus guetos sofrendo violências e tentando sobreviver. O restante da sociedade parece ter se acostumado e assiste impassível a toda esta sorte de acontecimentos.
Brasil? Rio de Janeiro? Não, é a Palestina do tempo do Coélet(1). Este sábio, valendo-se de sua posição como observador de sua sociedade, usou as armas de que dispunha para protestar. As palavras. Ao compor este poema, ele denuncia a opressão e dá voz àqueles que não podem ou não sabem como falar por si.
Como a injustiça se manifesta em nossos dias e como a atitude do sábio pode servir-nos de exemplo?

OPRESSÃO

Abuso de poder contra quem não tem meios para se defender.

Formas de opressão:

1) No trabalho: Baixos salários, carga horária excessiva, ameaças.
2) Armas: Poder do tráfico que submete as comunidades.
3) Exclusão: Existe uma festa para a qual você não foi convidado.
4) Competição: O homem é apenas uma peça da engrenagem.
5) Valorização exacerbada do ter sobre o ser.
6) Potencial de consumo como fator de valorização da pessoa

“A competição,(...) é anti-social,(...) porque implica a negação do outro, a recusa da partilha e do amor. A sociedade moderna neoliberal, especialmente o mercado, se assenta na competição. Por isso é excludente, inumana e faz tantas vítimas. Essa lógica impede que seja portadora de felicidade e de futuro para a humanidade e para a Terra.” (2)

SISTEMA INÍQUO

Setores da sociedade que se unem para estimular a prática da corrupção, obter lucros cada vez maiores e impedir qualquer resistência. Tornam-se mais nocivos quando possuem ligações com o poder (político, econômico, policial).

Exemplos: Mensalão, redes de prostituição, tráfico de drogas.

A ansiedade pela manutenção do padrão social alimenta as estruturas corrompidas

“(...) Emergem os pobres como fenômeno social, as grandes maiorias, marginalizados dos benefícios do processo produtivo e explorados como excedentes de uma sociedade que privilegia soluções técnicas, em detrimento de soluções sociais para os seus problemas. A questão é: como ser cristão num mundo de empobrecidos e miseráveis.”(3)
OPRIMIDOS

Aqueles que não têm mais nenhuma opção senão curvar-se, submissos, diante do explorador.

1) Choro dos oprimidos: A única alternativa de quem não pode fazer nada.
2) Não há quem os console: Não há interesse em ajudá-los, pois o poder está do lado do explorador.
3) Os mortos, aqueles que já morreram: O autor deixa bem claro que os mortos a que ele se refere são os que experimentaram a morte física. Contudo, a maneira como ele se expressa deixa subentendido que a vida debaixo da opressão também é um tipo de morte.
4) Os vivos, esses que ainda vivem: Sobrevivem de forma indigna, têm seus direitos roubados e não vêm as suas necessidades mais básicas serem supridas.
5) Mais feliz que os dois é quem não nasceu ainda: De acordo com a visão do Coélet, feliz é quem não precisa estar aqui para contemplar tanta injustiça.

“No Antigo Testamento, Deus se revela a si mesmo como o libertador dos oprimidos e o defensor dos pobres que exige dos homens a fé nele e a justiça para com o próximo".(4)
VOZ PROFÉTICA CONTRA A OPRESSÃO

Jesus, Moisés e os profetas, protestaram contra aqueles que, em nome da justiça, oprimiam e exploravam os mais fracos. A bíblia registra de forma marcante o desejo de Deus em estabelecer uma sociedade fraterna, onde o amor seja a regra básica.

“Lavem-se, purifiquem-se, tirem da minha vista as maldades que vocês praticam. Parem de fazer o mal, aprendam a fazer o bem: busquem o direito, socorram o oprimido, façam justiça ao órfão, defendam a causa da viúva. Então venham e discutiremos – Diz o Senhor.” Isaías 1.16-18

Precisamos de novos profetas, tais como Martin Luther King e Mahatma Ghandi que estavam dispostos a assumir os riscos de denunciar estes esquemas opressores. Ambos foram mortos durante a luta, mas os seus ideais triunfaram.

CUIDADO ESSENCIAL

Faz parte da essência da vida e é indispensável para que ela subsista. Nos lembra de que somos irmãos, que dependemos uns dos outros e de Deus.
Cuidado significa: solicitude, preocupação, responsabilidade. O cuidado permite a comunhão entre as pessoas e o respeito.

“O cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim.” (5)

Quando tomo consciência de que Deus ama tanto ao morador da favela, ao desempregado ou aos sem teto quanto a mim, estas pessoas deixam de ser mais um rosto na multidão e a dignidade delas transforma-se na minha dignidade também.

PARADOXOS ENTRE OPRESSÃO E CUIDADO
A opressão nega a vida. O cuidado a reafirma.
A opressão destrói. O cuidado constrói.
A opressão produz doença. O cuidado viabiliza a cura.
A opressão embrutece. O cuidado enternece.
A opressão entristece. O cuidado consola.

CONCLUSÃO

A resposta divina para a opressão foi, em Cristo, tornar-se humano e viver ente nós.
Ao morrer na cruz, vítima da opressão romana, ele respondeu com cuidado. Aos soldados disse: Pai perdoa-lhes porque não sabem o que fazem. Para João: Filho eis ai a tua mãe. E para o ladrão ao seu lado: Hoje mesmo estarás comigo no paraíso.
A ética do cristianismo é o cuidado. “Não faça aos outros aquilo que você não desejaria que fizessem com você”. “Responda ao mal com o bem”. “Ama ao teu próximo como a ti mesmo”.
O cuidado nos torna mais humanos. Ele nos aproxima de Deus por permitir-nos transmitir amor aos necessitados.
NOTAS
(1) Coélet é a forma aportuguesada do hebraico Qohélet, termo utilizado pelo autor para referir-se a si mesmo. Ekklesiastes é a palavra grega utilizada em correspondência ao vocábulo hebraico. Significa “aquele que dirige a palavra à ‘ekklesia’ (assembléia)”. (N de Ruben Marcelino)
(2) BOFF, Leonardo. Saber Cuidar, p. 111
(3) BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder, p. 54
(4) BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder, p. 66
(5) BOFF, Leonardo. Saber Cuidar, p. 91

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BÍBLIA SAGRADA – Edição Pastoral – Tradução Ivo Storniolo, Euclides Martins Balancin – Paulus – SP – 1991
BOFF, Leonardo, Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela terra – Vozes – Petrópolis – RJ – 1999
BOFF, Leonardo, Igreja: carisma e poder, Ed. Record – Rio de Janeiro – RJ – 2005
STORNIOLO, Ivo. Trabalho e Felicidade – O Livro do Eclesiastes – Paulus – SP – 2002.

2 comentários:

Anônimo disse...

Marcos,

Viver em um sistema opressor como o nosso, sem dúvida alguma é um desafio para o povo cristão.
Nos últimos tempos, principalmente com a intensificação do modelo neoliberal a que estamos submetidos, esta tarefa de termos o cuidado com o próximo se torna mais difícil e complexa de ser realizada - por falta de tempo, pelas preocupações nossas do dia-a-dia serem outras, pela inversão de prioridades, etc.
Acho que este tema já foi abordado em uma EBD, certo? Vale a pena relembrá-lo e nos questionarmos a todo instante qual o nosso propósito em uma sociedade excludente e desigual como esta, e claro, nos sentirmos desafiados a assumir um outro tipo de papel neste espaço que estamos inseridos por um tempo limitado. Ótima reflexão!
Bjs, Eu – Ilva

Anônimo disse...

Bem...eu sou negro. E sei um pouco do que é ser oprimido pelo fenótipo e pelo que tenho de mais revelador de Deus em mim; Sou pobre, e sei um pouco do que a miserabilidade do capitalismo é capaz; E eu sou cristão, sei profundamente o que é redenção/esperança e senso de ancestralidade...Quem não olha para sua história, corre o sério risco de repetí-la.

Cadu
"...por Amor ou besteira"